Graças aos esforços da “reforma sanitária”,
movimento que, desde os anos 60, tentou estabelecer uma democratização do
acesso aos serviços de saúde no Brasil, nossa CF de 1988 previu a saúde como um
direito de todos e dever do Estado, sendo o acesso a ela de caráter universal e
igualitário e suas ações e serviços públicos constituídos num serviço único (o
Sistema Único de Saúde – SUS).
Dois anos depois, foi promulgada a Lei
Orgânica da Saúde, que regulamentou as ações e serviços da saúde, bem como o
SUS. Com essas normas, o direito à saúde foi elevado, no nosso país, de um
patamar meramente técnico para um nível efetivo de política pública. A saúde,
com essa nova visão governamental, passa a ser um bem-estar físico, mental e
social, um direito social fundamental do ser humano.
Entretanto, em contrapartida, houve uma
ofensiva conservadora direcionada à diminuição do papel do Estado na regulação
econômica e proteção social. Na saúde, por exemplo, a iniciativa privada virou
um grande e rentável negócio.
Pesquisa da Confederação Nacional da
Indústria (CNI) em parceria com o Instituto Ibope, feita no ano passado, aponta
que 61% dos brasileiros desaprovam o serviço público de saúde, classificando-o
como "ruim" ou "péssimo". Conforme o levantamento, 85% do
eleitorado não percebeu qualquer avanço no sistema público de saúde nos últimos
três anos.
Quando medido o acesso aos serviços de saúde,
a pesquisa revela que 68% dos brasileiros têm a rede pública como único ou
principal fornecedor de serviços médicos e hospitalares. Nas cidades, 54% da
população avalia como desabonador o serviço de saúde municipal.
Os hospitais públicos receberam nota média de
5,7 em uma escala de zero a dez. No caso dos hospitais privados, o patamar chega
a 8,1 pontos. Os profissionais dos hospitais públicos tiveram média geral de
6,3, enquanto os que trabalham em hospitais particulares atingiram nota de 8,2.
Outro estudo
importante sobre o assunto foi o da Economist Intelligence Unit, na
Grã-Bretanha, divulgado em 2010. Neste, o Brasil ficou em antepenúltimo lugar
entre os quarenta países pesquisados devido a deficiências no tratamento paliativo,
à disponibilidade de medicamentos analgésicos e às políticas públicas.
Também discutindo o assunto, um estudo do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do presente ano, concluiu
que a qualidade dos serviços de saúde prestados para pobres e ricos é tão
desigual no Brasil que divide o país em dois.
Segundo Marco Antônio Andreazzi, médico
sanitarista e pesquisador do IBGE, há diferenças marcantes quando se compara a
qualidade dos equipamentos e profissionais entre as classes sociais e o setor
público e privado.
O país tem dois Brasis se considerarmos os
tipos de serviços prestados. Há um excesso de equipamentos sofisticados nos
planos privados [que se concentram nas regiões mais ricas] e locais em que
faltam equipamentos básicos.
Um desses fatores, segundo ele, é o número de
leitos disponíveis. De acordo com a pesquisa AMS (Assistência Médico-Sanitária),
entre 2005 e 2009, o país perdeu 11.214 leitos nos estabelecimentos de saúde, o
que explica as grandes filas nas sete principais capitais (São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba) do Brasil.
Nesses municípios, há estimativa de que 170 mil pessoas terão de esperar até
cinco anos por uma cirurgia não emergencial.
O número total de leitos é de 431.996, dos
quais 35,4% em instituições públicas e 64,6% em hospitais privados.
Ainda segundo a pesquisa, as famílias brasileiras
financiam a maior parte dos gastos de saúde no país. Cerca de R$ 128 bilhões
(57,4%) saíram do bolso dos brasileiros, enquanto R$ 93 bilhões vieram do setor
público, em dados de 2007. O dado reflete os gastos com planos de saúde.
Sobre o estado da saúde no Brasil, em um dos
capítulos do trabalho “O comércio internacional em serviços de saúde: uma
perspectiva de desenvolvimento”, publicado em 1998, a economista Simonetta
Zarrili afirma que, além de ter um financiamento insuficiente, o problema de
falta de boa gestão e de controle adequados vem sendo citado cada vez mais como
a principal razão para o colapso do sistema público de saúde brasileiro. Uma
auditoria realizada pelo próprio Ministério da Saúde em 1997 mostrou que,
anualmente, há um extravio de pelo menos US$ 557 milhões do orçamento federal
de saúde. A maioria dos Estados parece não conseguir supervisionar as
atividades levadas a cabo pelos hospitais e ambulatórios públicos e assegurar o
cumprimento das normas fixadas pelas autoridades federais para evitar abusos.
A Lei Complementar nº 141, que regulamenta a
Emenda Constitucional 29, tenta justamente corrigir esse problema. Os Estados e
Municípios usavam seus repasses federais para a saúde em investimentos
diversos, tais como distribuição de cestas básicas, compra de merenda escolar,
ações de assistência social, pagamento de aposentadorias e pensões, ações de saneamento
básico e, inclusive, gastos com rádios governamentais. Agora, o texto define
claramente o que deve ser considerado gasto em saúde (ex: a compra e
distribuição de medicamentos, gestão do sistema público de saúde) e fixa os
percentuais mínimos de investimento na área pela União, Estados e Municípios.
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